sábado, 14 de março de 2009

Os 472 anos do Recife

Na última quinta-feira (12), a bonita cidade do Recife, capital do Estado de Pernambuco esteve de aniversário. Embora passados dois dias, não é tarde para prestarmos uma homenagem aos nossos amigos VALDIR MELO, GIL, JAELZA e JUBÁ CUNHA, pernambucanos 24 horas por dia.

No aniversário do Recife

Por Urariano Mota
Escritor e jornalista.


“Na avenida Guararapes,
o Recife vai marchando.
O bairro de Santo Antônio,
tanto se foi transformando
que, agora, às cinco da tarde
mais se assemelha a um festim.
Nas mesas do Bar Savoy,

o refrão tem sido assim:
são trinta copos de chope,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados...” (Carlos Pena Filho)

Ah, mas se a gente pudesse fazer o que tem vontade: beijar a cidade que amamos, com um pedaço do tempo expurgado. Beijar a cidade de um tempo ideal, de um tempo sem angústia, de um tempo em que a cidade era a noiva do futuro. E falar em tempo ideal é o mesmo que acender na gente um calorzinho manso, que chama Nelson Ferreira,

“O nosso Bloco é ideal
nasceu neste carnaval
Por isso nós estamos a cantar
cheios de glória
Vitória! Vitória! Vitória!
Vamos correr
as ruas da cidade
com o ardor
da nossa mocidade ...”.

Chamar o tempo ideal é o mesmo que chamar o Recife sem a ditadura militar, o Recife sem assassinatos e perseguições, o Recife bom, sem a casa dos avós, que não tínhamos, nem casa nem avós, mas isto não sentíamos, pelo extraordinário despojamento que têm as crianças.

Montar o tempo ideal é chamar o Recife azul com papagaios em festa no céu, o Recife que era “a cidade”, para todos os meninos suburbanos. É chamar o Recife sem os duros anos em que faltava o pão.

É esquecer o Recife onde tudo faltava: pão, sorte, Deus, lar, amor, toda feição da humana gente. É deixar de lado o Recife que distribuía a falta com imensa generosidade, como no romance Os Corações Futuristas:

“Foram andando. Seguiram pela Primeiro de Março, passaram pelo Diário, tomaram a Guararapes. O cheiro ativo de cerveja vinha pleno da calçada do Savoy. Carlos externou um pensamento comum: - Como era bom uma cerveja!

Sentiram o cheiro, viram a espuma, ouviram as tampas saltando, viram a cor escura das garrafas e as gotas frias no seu bojo. Esticaram olhos compridos para o líquido amarelo, sedentos. Prelibaram as mesinhas de ferro, de pinturas descascadas e ferrugem de umidade ácida.

Sentiram o cheiro das coxinhas gordas de galinha, a sua maciez no solvente da língua, engoliram-nas em saliva. Eram bocados grossos, de galinha misturada à massa, untada, descendo para o estômago que se revolvia, em desejo.

Pressentiram o calor nas faces subindo, o bom humor fácil, o convívio que a cerveja dá. Sentiram então a irmandade que nascia, na falta, no que não podiam, pela comum exclusão da comunidade dos vivos. E vivos eram aqueles que, com naturalidade, e sem-importância se entregavam ao gosto de, bebendo, ver as pessoas que passam. Por isso marejaram os olhos.”

É, deixando esse Recife de lado, ir ao Recife em pé, no banco do ônibus, para alcançar a janela e ver o rio. Já então ele nos deslumbrava e apontava a promessa: O rio Capibaribe aberto, ao sol das sete da manhã, é um rio que nos dá bom dia.

Da ponte Duarte Coelho à Princesa Isabel, e desta a se estender até a ponte do Limoeiro, há uma vista de esperança. Então olhamos o rio, e ele nos refrigera: “Bom dia. Você está mesmo pronto para o amor e felicidade que ainda não revelamos? Eis-me aqui: um carinho para a sua alma”.

É voltar ao Recife dos amigos, com quem não temos mais a ventura e aventura do convívio. Fosse poeta, faria um poema longo sob o nome de Convívio. Fosse rei, mandaria um poeta fazer esse poema.

Mas como sou o que sou, digo: é voltar ao Recife com o Gordo, com o senhor Antônio Luís, o maior conhecedor de frevo que os meus olhos e sorte já viram. É estar com todos os amigos no Bar Savoy, numa celebração que tem todos os motivos para chorar, mas é só felicidade.

Por isso te digo, sempre em 12 de março: se impossível é reencarnar esta memória, faças dela um presente, Recife.

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