quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Crônicas da Conceição

Enviada especial ao deserto

Uma linda e providencial crônica, para ser lida nesses dias de seca e calor infernal

Do Blog da Conceição - Correio Braziliense

Aviso aos leitores: a crônica de hoje está atarantada, abafada e resfolegante. A cronista, que vivia dizendo que estava completamente adaptada à seca, foi derrotada nessa quarta-feira de Saara. A fuligem densa que embaçou a atmosfera invadiu meus neurônios e não consigo completar uma ideia digna de publicação. Procuro o ar, ao menos para fazer de conta que existo, e o que encontro é uma aridez de fim de mundo.

Tento me consolar com o dia de amanhã, porém a meteorologia continua indiferente aos clamores brasilienses. Se ontem foi um dia "parcialmente nublado, com períodos de nublado e névoa seca" e com umidade relativa do ar criando entre 45 e 20%", pelo menos o Sol aparecia, no desenho do Inmet, rodeado de nuvens montanhosas. Hoje, amanhã e depois, o Sol estará envolto em espessa e cinzenta camada de névoa seca — lá se vai o que me resta de neurônios.

E no Saara, como estará o tempo? Em El Aaiún, capital do Saara Ocidental, a umidade relativa do ar, nessa quarta-feira, era de 32%, a temperatura também estava em 32º C. A diferença, terrível para os saarianos, era a absoluta ausência de ventos: 0km/h. Bom, tento pensar, se no deserto mais famoso do planeta vivem 2,5 milhões de habitantes espalhados em 13 países, os 2,6 milhões de brasilienses haveremos de atravessar mais esse setembro.

E no deserto de Karakum, um dos mais secos do mundo, e que ocupa 80% do Turcomenistão, um daqueles países que foram engolidos pela União Soviética? A capital, Ashgabat, tem picos de temperatura infernais: 48ºC. Mas ontem, os ashgabatianos ou seja lá qual for o gentílico de lá, saltitavam com 22º C de temperatura, ventos de 6 km/h e 35% de umidade. Trinta e cinco por cento! Vou me embora pra Asgabat, lá sou amiga do tempo.

Tudo pesa: as pernas, os braços, a cabeça, as pálpebras, o cérebro, até o coração está fatigado. Estarão assim os windikoekianos, habitantes da semi-desértica capital da Namíbia, Windhoek? Nessa quarta, a temperatura por lá variou de 30ºC, durante o dia, a 8ºC, à noite, com ventos de 14 km/h. A umidade chegou aos 11%, mas não se teve notícias de que a defesa civil windikoetiana tenha decretado estado de emergência. Como os calangos, os camelos e os cactos, os povos do deserto têm a secura gravada no código genético.

Mas e nós, que não temos a corcova do camelo, a pele caroquenta dos calangos nem espinhos no lugar de flores? Claudicamos a cada nova seca. Eu mesma já entrei num estado muito comum no deserto, a alucinação. De onde estou, vejo uma nesga de céu que parece tomado por nuvens promissoras. Chego a sentir o cheirinho da terra molhada, ouço o tique-taque da chuva na vidraça. Alguém ao longe diz que está chovendo em Taguatinga. Esse reconfortante delírio me permite terminar essa esbaforida crônica.





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